Revista Bonijuris

#663
Abr/Mai 2020

Cala-boca já morreu?

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Cala-boca já morreu?

Direito à distância

Não bastassem as 1.724 faculdades, o 1,2 milhão de profissionais registrados e o título nada auspicioso de curso com o maior número de matrículas no país, o direito agora se vê ameaçado pelo ensino a distância (sim, ameaça é a palavra). Em um período de 14 anos, de 2005 a 2019, o número de estudantes matriculados dobrou para 879.234 e isso, sabidamente, não representou um ganho. Pelo contrário, o índice de reprovação de alunos no Exame da Ordem só fez aumentar: 80% de acordo com a última aferição. Os indicadores poderiam dizer tudo, mas para o Ministério da Educação dizem pouco. Há um excesso de advogados no país, um excesso de bacharéis e, ainda assim, as autoridades dão de ombros. Não se dê nome aos chefes da pasta, fulano ou Weintraub, porque o descaso é endêmico. Atravessou-se uma década e meia de diretrizes educacionais que só miraram a quantidade e não a qualidade. Não há exagero na afirmação a seguir: há uma faculdade em cada esquina e ingressar nela não requer muito esforço. Em algumas basta uma ligação. O que remete a uma piada contada, certa vez, pelo humorista Juca Chaves: “O aluno disca o número e do outro lado atendem. ‘Universidade do Piauí’. Ele diz: ‘Desculpe, foi engano’. ‘Tarde demais, você já está matriculado’”.

Com escusas aos piauienses, essa é a realidade nacional. A oferta de cursos superiores é tão grande que há vagas demais para alunos de menos (e 58% delas estão ociosas).

Programas do governo se encarregaram de distribuir bolsas e salvar universidades à beira da falência e, assim mesmo, os empresários seguem em busca de alguma solução que lhes permita conjugar a formação superior – nem sempre de qualidade –, o contingente de alunos e o baixo custo da educação. Ora, o ensino a distância é a resposta. Permite, por exemplo, que um professor grave uma aula, que é distribuída em todos os polos presenciais da universidade por todo o país, até que seja necessária renová-la. E isso pode demorar, três, quatro, cinco anos ou talvez nunca.

Em entrevista concedida no ano passado à Revista Bonijuris, a ex-presidente do TRT-9, Marlene Suguimatsu, imaginou uma distopia: um futuro em que o reitor de uma universidade necessitará apenas de sala, banquinho e computador para comandar a vida acadêmica. Alunos, professores e funcionários, se houver, orbitarão em torno de um único produto: as aulas remotas.

O direito era o penúltimo bastião de resistência (o último é a medicina). Pois não é mais. Com a anuência do MEC, há planos de grandes grupos educacionais de espalhar polos em todo o país para oferecer aos futuros advogados um curso a distância. A portaria do Ministério da Educação nº 2.117 de 6 de dezembro de 2019 permitiu que a carga horária nos cursos superiores dobrasse de 20% para 40% no período de um ano. No caso do direito, isso significa 20 das 50 disciplinas da grade curricular. Mas não para por aí. A glutonia dos donos de faculdades quer mais e já há pedidos de autorização no MEC para que o curso de direito seja 100% EAD. No Paraná, onde fica a sede da Revista Bonijuris, dados recentes mostram que o mercado para novos advogados está saturado. Há 120 cursos de direito que preenchem 18.600 vagas nos bancos escolares. Não há emprego para todo mundo. Sequer para um terço. E, ainda assim, o EAD surge sedutor acenando com a integralidade do curso de direito integral e a insana oferta de 30 mil vagas (sim, insana é a palavra).

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A Editora Bonijuris, empresa que edita a Revista Bonijuris, anuncia a parceria com a faculdade de direito do Centro Universitário Dom Bosco. O propósito: promover conjuntamente eventos, debates, palestras, além de fomentar a produção de artigos acadêmicos na área jurídica. O professor Cristiano Dionísio, coordenador do curso de direito, costuma citar o filme “Campo dos Sonhos” (1989), estrelado por Kevin Costner, para explicar como pretende estimular alunos e mestres a escrever artigos acadêmicos para submissão. “Chame-os e eles virão” teria ouvido o personagem de Costner, um fazendeiro que decidiu abrir uma grande área em sua colheita de milho para construir um campo de baseball. Dionísio promete fazer o mesmo: chamá-los.