Revista Bonijuris

#662
Fev/Mar 2020

O STF pendular

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O STF pendular

OS MALES DO BRASIL SÃO

O fato típico desse país no ano que adentra é que a prisão do réu condenado em segunda instância admitida desde 1988, rejeitada em 2009, ressurgida em 2016 e excluída novamente, em 2019, em julgamento de Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), desta vez com efeito vinculante, ganha a pauta do Congresso Nacional e pode ressuscitar na condição de Emenda Constitucional e sombra teimosa na cena nacional.

O fato típico desse país no ano que adentra é que o voto do presidente do STF, Dias Toffoli – minerva na votação apertada sobre a matéria – se fez com tanto cuidado e tato que, a certa altura, Toffoli cedeu a palavra aos pares, deixando que mastigassem o tempo para que ele, ao fim, resumisse o seu argumento a dois singelos pontos: 1) em tese, era contrário à prisão em segunda instância e assim votou; 2) nada impedia que, daqui por diante, o legislador apresentasse emenda constitucional que dissesse o contrário. Ele mesmo havia refletido sobre a questão e chegado a uma “fórmula alternativa” de prisão do réu somente em 3ª instância. Ora, constitucionalmente nada se resolveria, portanto Toffoli achou por bem subtrair essa combalida proposta no pleno.

O fato típico desse país no ano que adentra é que até o apagar das luzes de 2019, a CCJ do Senado, aprovou de fato um projeto de lei (166/2018) que alteraria o artigo 283 do Código de Processo Penal. De “ninguém poderá ser preso senão em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado” para “em decorrência de condenação criminal por órgão colegiado”, o que atenderia os requisitos de segunda instância. Mas o caminho é longo e não será surpresa se o projeto for esquecido nas gavetas em período eleitoral.

O fato típico desse país no ano que adentra é que coube a Marco Aurélio Mello, ministro do STF e relator da ADC, atentar para a peculiaridade do julgamento em questão. O partido que protagonizou a ação clamando pela constitucionalidade do artigo 283 do CPP, bradava, da tribuna das casas legislativas, pelo contrário, ou seja, no sentido da inconstitucionalidade. Mais surpreendente foi assistir, conforme relatou o ministro em seu voto, o comportamento da Advocacia-Geral da União que, “ignorando, por sinal, a atribuição constitucional de curadora da lei, cumprindo-lhe a defesa do ato ou texto impugnado”, mudou de lado arguindo pela “inconstitucionalidade”. Outra peculiaridade: a AGU jamais deveria se manifestar em uma ADC, mas o fez. Não uma, mas duas vezes.

O fato típico nesse país no ano que adentra e que valerá, certamente, um longo debate (com a participação da Revista Bonijuris) é que os 1.682 cursos de direito presenciais no território brasileiro, um recorde digno do Guiness, em breve podem dobrar, triplicar, quadruplicar o número de seus bacharéis, caso o MEC aprove de fato o direito na modalidade EAD. O alerta já foi dado. Portaria publicada no ano passado autorizou universidades federais a oferecer 40% das aulas em ensino à distância. No direito inclusive. E vem mais por aí. Nas instituições particulares já se fala em 100%.

Há duas críticas a esse respeito que, de certa forma, se complementam: enquanto o MEC agiu rápido demais, o conselho federal da OAB claudicou hesitante. O número despropositado de cursos de direito seria motivo suficiente para que a ordem agisse. Não agiu. A máxima de Mário Andrade em “Macunaíma” aplica-se à perfeição nesse cenário: “Muita saúva e pouca saúde. Os males do Brasil são”.