José Luiz Toro da Silva. ADVOGADO
No Brasil há poucos trabalhos acadêmicos sobre o tema da
liberdade de morrer. Julgados, então, praticamente, inexistem. Tal fato se
justifica porque, até outro dia, este era um país de jovens, onde as pessoas
morriam antes dos 60 anos, vítimas das mais diversas mazelas que afligem países
subdesenvolvidos. Porém, percebe-se que a situação começa a mudar e, em pouco
tempo, o país será um lugar de idosos. Projeções do IBGE indicam que, até 2050,
o número de idosos no Brasil deve ultrapassar os 64 milhões.
Com o avanço da medicina, muitas pessoas passaram a ter condições de viver
mais. Existem recursos médico-tecnológicos que possibilitam a continuidade da
vida, mesmo que seja em estado vegetativo.
Portanto, a discussão sobre a liberdade de morrer, diante dessa nova
conjuntura, passa a ser plausível, não podendo ser tratada como tabu ou
heresia. É claro que questões religiosas devem ser trazidas para o debate,
porém, racionalmente, é possível imaginarmos situações em que a continuidade da
vida é realizada sem qualquer qualidade ou até mesmo de forma atentatória à
dignidade da pessoa.
Afinal, a pessoa tem liberdade para escolher o tratamento médico mais
adequado para si? Pode o Estado obrigar alguém a viver preso a aparelhos?
Na obra Autonomia Privada e Direito de Morrer, Rachel Sztajn,
professora associada da USP, questiona se devemos permitir que a natureza siga
o seu curso normal até a morte ou o processo de morrer pode ser antecipado. É
dever do profissional da saúde alterar o curso da natureza, quando voltado
para prolongar a vida, ou pode, ao contrário, não o fazer, deixar de
interferir no curso da moléstia e permitir a morte?
Nos hospitais há esforço hercúleo, com alta tecnologia, para manutenção da
vida. Isso tem, em muitos casos, onerado excessivamente o custo da saúde. E,
muitas vezes, representa uma vida sem qualidade, presa a aparelhos e com
tratamentos dolorosos ou debilitantes. Diante deste quadro, a questão da
eutanásia e variantes deve ser devidamente analisada pelos profissionais do
direito e precisa ser debatida pela sociedade brasileira.
Reitera-se que essa não é uma questão de fácil resolução, devendo todos os
aspectos ser considerados, principalmente para que a liberdade de morrer seja
exercida com total autonomia. Na maioria dos países, a eutanásia é considerada
crime, não obstante juristas, médicos e, até mesmo, teólogos reconhecerem que a
matéria é extremamente complexa. No Brasil, o tema da eutanásia passa a ganhar
nova dimensão em face do aumento da expectativa de vida dos brasileiros e do
avanço tecnológico da medicina, que possui recursos para prolongar a vida dos
pacientes, mesmo que seja para mantê-los em estado vegetativo.
Alude-se que o Enunciado 533 da VI Jornada de Direito Civil evidencia que “o
paciente plenamente capaz poderá deliberar sobre todos os aspectos
concernentes a tratamento médico que possa lhe causar risco de vida, seja
imediato ou mediato, salvo situações de emergência ou no curso de procedimentos
médicos cirúrgicos que não possam ser interrompidos”. Essa proposição mostra
que tal exegese está em conformidade com o disposto no art. 15 do Código
Civil, justificando que o crescente reconhecimento da autonomia da vontade e da
autodeterminação dos pacientes, nos processos de tomada de decisão, sobre
tratamento de saúde é uma das marcas da contemporaneidade.
Urge, portanto, analisar o que se deve entender por respeitar o princípio da
dignidade da pessoa. Será que o prolongamento da vida de um paciente em estado
terminal, que não possui chances de cura, impingindo-lhe tratamentos inúteis ou
obstinados, que somente lhe resultam em mais sofrimentos e custos é, de fato,
uma atitude humana, simplesmente em respeito à sacralidade da vida?
É preciso pensar se cabe ao Estado a função de obrigar uma pessoa a
continuar a sua vida presa a aparelhos. Ou seja, ao prolongamento artificial da
vida. Necessário refletir se os médicos são obrigados a manter uma pessoa em
estado artificial, ou se deveriam deixar que a vida siga o seu curso normal.
Constata-se que as iniciativas do Conselho Federal de Medicina, no Código
de Ética Médica e na Resolução cfm 1995/2012, já representam avanços expressivos,
porém tais assuntos não podem ficar restritos a uma visão corporativa, devendo
ser amplamente debatidos por toda a sociedade. Deve o parlamento brasileiro,
após discussão pública, aprovar uma legislação própria para a realidade do
país. As leis precisam assegurar que os cidadãos possam exercer sua vontade de
forma consciente, livre e soberana. Deve o Estado oferecer todo o amparo
necessário e evitar que o testamento vital seja utilizado para interesses
ilícitos e não éticos, seja pelas famílias dos pacientes, seguradoras, planos
de saúde e o próprio Estado.
As legislações da Bélgica, Holanda e Portugal representam precioso norte
para o debate. No entanto, é preciso buscar uma solução nacional com respeito
às características próprias do povo brasileiro. Muitos brasileiros ainda não
têm acesso à educação, que dirá à saúde, para avaliar determinadas situações e
exprimir, de forma livre e consciente, sua opinião. Existem, ainda, os
aspectos familiares, econômicos e sociais que, certamente, precisam ser
sopesados nesta seara. Ademais, é inegável que a sociedade caminha para o
reconhecimento da autonomia da vontade, no sentido amplo, assegurando o consentimento
informado e, sobretudo, a liberdade de escolha.