A meningite e a crueldade dos insanos

Todas as mentiras não são suficientes para que o direito à informação, contemplado no artigo 5º da Constituição, seja escamoteado. Ainda que a informação não seja, de fato, informação, como mostrou o então candidato ao governo de São Paulo, João Dória (PSDB) ao pintar de vermelho todo e qualquer adversário de Jair Bolsonaro ou dele mesmo na campanha de 2018.

Não há agora nem houve antes, no longo governo petista, nenhuma ameaça comunista, sequer sombra dela. Que o digam os ricos e os muito ricos da nação. Ou pobres e muito pobres.

A crueldade da mentira, no entanto, parece ser a marca do novo governo. A presença de Luiz Inácio Lula da Silva no velório do neto Arthur, sete anos, vítima de meningite meningocócica, provocou o seguinte comentário de Eduardo Bolsonaro nas redes sociais: “(isso) só deixa o larápio em voga posando de coitado”.

É mentira que a autorização concedida pela justiça para que Lula, o detento, viajasse a São Bernardo (SP), tenha servido para inflar sua popularidade. Não é apenas mentira. É insano e irresponsável, ainda mais em se tratando de um deputado federal eleito, caso de Eduardo Bolsonaro, o rebento menos esperto da prole presidencial. O artigo 5º, contudo, permanece legitimado ao garantir-lhe direitos fundamentais. O direito de opinar livremente, por exemplo, ainda que a opinião seja asinina. Se há algo a considerar em sua afirmação é a máxima de Umberto Eco acerca da internet, largamente difundida.

Em se tratando da meningite meningocócica, cabe lembrar o surto da doença que, em seu auge, em 1975, fez 411 vítimas fatais somente na cidade de São Paulo. Com a censura imposta pelo regime militar, hoje comparado por bolsonaristas aos ‘recuerdos de Ypacaraí’, proibiu-se qualquer notícia sobre o número de casos, àquela altura alarmante, como também de campanha necessária para conter a doença. A epidemia poderia ter sido evitada caso informações necessárias sobre sintomas, higiene e cuidados com os alimentos fossem divulgados. Afinal, tratava-se de doença infectocontagiosa.

Nas escolas públicas, vidros de xarope sem rótulo foram distribuídos em situação emergencial. Vinham de Cuba, o país inimigo por excelência da ditadura brasileira. A revista ‘Veja’ publicou reportagem de capa denunciando a falta de informação. A matéria, no entanto, precisou ser negociada com o censor, lotado em escritório em Brasília para onde era enviado, da redação na capital paulista, todo o conteúdo a ser publicado pela revista, inclusive os anúncios.

A nota do Departamento de Polícia Federal, datada de 26 de julho de 1974, limita a informação sobre a epidemia de meningite quase a um texto de rodapé. Mas havia uma “distensão galopante a caminho”, como definiu um editor da publicação.

“Rio, 26/7/1974

De ordem superior, atendendo solicitação, em virtude fato superveniente, fica proibida divulgação através meios de comunicação social falado, escrito, televisado,, entrevistas concedidas pelo Sr. Ministro da Saúde sobre meningite, qualquer divulgação de dados e gráficos sobre frequência de meningite, noticiário sobre quantidade e datas de chegadas vacinas importadas, bem como referências necessidades previsão.

Fica igualmente proibido divulgação matérias sensacionalistas ou exploração tendenciosa através da imprensa, qualquer assunto relativo a meningite.

Polícia Federal”.

(Fac-símile abaixo):

A morte envolvendo o neto de Lula traz outro dado alarmante: a meningite em todos os seus sorogrupos (viral ou bacteriana) está de volta e as campanhas anti-vacina difundidas pela internet têm parte da responsabilidade. Diz o Ministério da Saúde que a “meningite é considerada uma doença endêmica no Brasil”. Mas nem isso subtrai a insanidade das notícias mentirosas que proliferam exponencialmente na rede. A transmissão da meningite bacteriana, tal como a meningocócica, se dá de pessoa para pessoa por meio das vias respiratórias, ou seja, de gotículas e secreções que saem do nariz e da garganta quando os infectados tossem ou espirram, ou através de alimentos contaminados. Arthur Lula da Silva, sete anos, não deveria encontrar o ódio no lado oposto do espectro político. Se a insanidade parece guardar traços genéticos, eis o presidente da República enviando vídeo escatológico registrado no carnaval. Ele parece mesmo não ter limites. Tal pai, tal filho(s).

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