Aquilo que o juiz diz e ninguém diz mais nada

É de rigor resgatar a Constituição. Trânsito em julgado e ponto final. Ou isso ou, como afirma, Eros Grau, só nos restará sair por aí, cada qual com seu porrete. Por Hélio Gomes Coelho Jr.

Faz-nos bem memorar o pensado. Homem em Hobbes. A liberdade em Locke. A natureza do homem em Rousseau. Independente da ótica, Estado – invenção humana – era e é necessário.

Cidadãos, sociedade e Estado sob a lei, substantivo feminino, regra de observância obrigatória. Há leis e leis, mas uma é a maior. Chamam-na de Carta, adjetivando-a de Suprema, Magna, Política, Fundamental. Fiquemos com a melhor: Constituição. Um substantivo de significância em si: ato de constituir, de estabelecer, de firmar. Na brasileira, de 1988, já balzaquiana, vai gravado o que segue: ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória.(art. 5º, LVII). Está gravado como direito e garantia fundamental seu, meu e nosso.

Lei boa é aquela que o povo lê e entende. É o caso acima. Anos atrás li para uma pessoa próxima, dita iletrada, que soletrou, respirou e disse: o que é trânsito em julgado? Respondi: aquilo que o juiz disse e nenhum outro juiz pode dizer mais nada (omiti a ela a rescisória, revisão e que tais). Entendi foi a resposta: só prende no fim. Ponto final.

Mas, alguns doutos, a pretexto de que o Estado é deficitário ao distribuir a Justiça, leem diferente o que está escrito, como se no texto houvesse legendas imersas.  Ora bem, se o Estado é capenga, melhor que lhe deem andador para um caminhar melhor, mais célere.  Mas não leiam o que não está escrito.

Outros tão doutos, quanto os mais doutos, a pretexto de que o Estado tem muitas leis e os cidadãos as usam, por seus advogados, adiando o fim do caso judicial, teorizam que dois julgamentos são o bastante. Sartre tinha razão: o inferno são os outros.

Os doutos dos doutos juízes, que são os onze ministros do STF, lendo e interpretando o art. 5º, LVII, já disseram que a ordem de prisão, fundada em sentença confirmada pela segunda instância, não ofende a garantia constitucional. Foi no inverno de 1991 e no HC 68.726. Foi unânime, ausentes os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello.

Os onze ministros também já disseram, lendo e interpretando o mesmo art. 5º, LVII, que a execução penal, na pendência de recursos, não enseja a prisão antes do seu trânsito em julgado. Foi no verão de 2009 e no HC 84.078 e por 7 x 4. Na composição de 2009, lá remanesciam os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e Carlos Veloso. Dias após, mas ainda em fevereiro, o STF autorizou que seus ministros decidissem de modo individual a questão (HC 93.172).

Os onze ministros do STF, vez outra, releram o art. 5º, LVII, para dizerem que a boa leitura foi a outra, a do inverno de 1991, e não a do verão de 2009, quando redisseram que, ainda que pendente de recurso especial ou extraordinário, era possível a execução provisória de condenação em segundo grau. Foi no verão de 2016 e no HC 126.292 e por 7 x 4. Vale registrar que seis novos ministros compunham a corte.

No mesmo 2016, agora em sua primavera e em plenário virtual, os doutos, pela repercussão geral, determinaram que todos os juízes e tribunais aplicassem a orientação que fixaram no verão. Foi por 6 x 4 e no ARE 964.246. Ainda em tal ano, agora por 6 x 5, foram negadas as liminares requeridas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44 (autores Partido Nacional Ecológico (PEN) e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

O tema estava latente, reclamando reconsideração, debate e regurgitação.

[Em 7 de novembro de 2019, o tema voltou à baila, desta vez em julgamento, no pleno, das ADC 43 do Partido Ecológico Nacional, hoje Partido Patriota, para o qual foram apensadas, por coincidência de objetos, a ADC 44 do Conselho Federal da OAB e, posteriormente, a ADC 54 ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). O resultado revelou uma reviravolta no placar: 6 x 5, entendendo desta vez os ministros, em juízo de eficácia vinculante, e sempre em eterno retorno, que a execução penal, na pendência de recursos, não possibilitaria a prisão do réu antes do trânsito em julgado].

É sobremodo útil ao direito, à advocacia e à sociedade brasileira, a iniciativa do coirmão Instituto dos Advogados de Minas Gerais – conduzido pelo irrequieto professor e advogado Felipe Martins Pinto, com quem temos convivido no Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil – de revisitar o instituto da “presunção da inocência”, ou de não culpabilidade, tendo como patrono o jurista Eros Grau.

Resgatar o texto da Constituição é de rigor, pois como disse Eros, “…a prevalecerem essas razões contra o texto da Constituição melhor será abandonarmos o recinto e sairmos por aí, cada qual com o seu porrete, arrebentando a espinha e a cabeça de que nos contrariar. Cada qual com o seu porrete! Não recuso significação ao argumento, mas ele não será relevante, no plano normativo, anteriormente a uma possível reforma processual, evidentemente adequada ao que dispuser a Constituição. Antes disso, se prevalecer, melhor recuperarmos nossos porretes” (relator do HC 84.078-7 de fev./2019).

Excelente oportunidade para o refluir do tema, porque o homem e a sua presumida inocência não se acostumam com a mudança de regra (overruling), conforme a estação e os passageiros que embarcam e desembarcam no Supremo Tribunal Federal.

A inocência, por princípio.

*Hélio Gomes Coelho Júnior é professor de direito na PUCPR e presidente do Colégio de Presidentes dos Institutos de Advogados do Brasil.

PUBLICADO NA EDIÇÃO 662 DA REVISTA BONIJURIS (FEV/MAR 2020).

**Este artigo, com atualizações do redator da Bonijuris, foi escrito como prefácio do livro “Presunção da Inocência – Estudos em Homenagem ao Professor Eros Grau” (ex-ministro do STF), publicado pela editora IAMG (Instituto dos Advogados de Minas Gerais), em outubro de 2019. A obra reúne 22 artigos que tratam da presunção da inocência – tema caro ao ex-ministro – e a possibilidade de prisão em segunda instância.

FOTO AGÊNCIA BRASIL / EBC

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