Sempre que me vejo em pânico com o quadro político brasileiro penso em duas coisas. A primeira, mais difícil: escrever um livro de “auto-ajude-me”. Segunda: recorrer a quem possa aplacar esse ânimo beligerante e essa vontade de parar por aqui e mandar dizer, a quem perguntar, que fui por aí. Os remédios jornalísticos são dois: Clóvis Rossi, raríssimo observador de olhos lúcidos desse país que só arranha a moldura da civilização; e João Pereira Coutinho, um colunista patrício que botou no bolso todos os outros, com exceção de Rossi (hors-concours).
São eles que, de forma enviesada ou direta, respondem à manutenção da liderança de Jair Bolsonaro (28%) na pesquisa Ibope mais recente, e à escalada impressionante de 11 pontos (de 8% para 19%) do petista Fernando Haddad, o novo poste de Lula.
Clóvis Rossi adverte: independente do resultado do capitão (Bolsonaro) no dia 7, a corrente de opinião que hoje o sustenta veio para ficar. Nunca antes na história imaginou-se, nesse país de botas, coturnos e bigodões, que alguém teria “a coragem de se assumir de direita, menos ainda de extrema direita”. Pois tem.
Ao discurso politicamente correto que campeia, bolsonaristas respondem com o tacape da intolerância. Mas não são só os do lado de cá. Trogloditas também habitam o outro lado, ainda que claramente insanos – vide a facada de que foi vítima o capitão e de como tratou-se de escondê-la, no momento imediato, sob o manto da fake news.
Para quem pensou que esta seria a eleição da ausência – porque de abstenção e rejeição recorde – eis o pleito do voto útil. De um lado e de outro, os eleitores irão às urnas para barrar Bolsonaro ou para barrar Lula e seu fantoche – Haddad não teria chance em outra circunstância. Há que se lembrar que foi defenestrado pelo eleitorado paulistano já no primeiro turno em sua tentativa de reeleger-se à prefeitura da capital.
Clóvis Rossi não diz, mas está claro que um espectro ronda a Europa e é o espectro da extrema direita. Eis os números por ele compilados em eleições recentes: “Alemanha (Alternativa para a Alemanha, 12,6% na eleição, 17% em pesquisas recentes); França (Reunião Nacional, 33,9% no segundo turno da presidencial, quando ainda se chamava Frente Nacional); Itália (Liga, 17,4%, suficiente para levá-la a fazer parte do governo); Áustria (Partido da Liberdade, 26%); Holanda (também Partido da Liberdade, 13%; Dinamarca (Partido Popular Dinamarquês, 21,1%, faz parte do governo); Finlândia (Verdadeiros Finlandeses, 17,7%); e Suécia, o caso mais recente (Democratas da Suécia, 17,6%).
Que o Brasil aprenda a lidar com a nova realidade, portanto. A corrente de opinião de que Bolsonaro se nutre veio para ficar.
O professor e pesquisador da FGV, Antõnio Carlos Almeida, autor do livro “A Cabeça do Eleitor” (Record, 2008) diz que a política não é como nuvem que muda a toda hora, ao contrário do que pensavam velhas raposas da vida pública como Magalhães Pinto. Ao menos no que se refere à opinião pública, que obedece a padrões bem definidos. A tendência é que se um presidente for bem avaliado é certo que ele será reeleito ou elegerá seu sucessor.
Esse padrão, no entanto, parece não combinar com a sequência de fatos ocorridos nos últimos três anos no Brasil: crise econômica, escândalos de corrupção, impeachment e a posse de um vice-presidente, Michel Temer, recordista em impopularidade. De certa forma, Temer serviu como escudo para garantir o retorno de Lula e do petismo, ainda que à sombra. Também garantiu que Bolsonaro, uma nulidade do baixo clero, fosse guindado a “mito” por seus adeptos.
Parece um mundo de fantasia criado por fantasistas? Certamente. Estamos no mundo dos que defendem que a terra é plana, dos que negam o holocausto apesar do zelo dos alemães em registrar tudo em filme, fotos e documentos, dos que negam a evolução do homem e dos que acreditam piamente que os deuses eram astronautas. Ou seja, o buraco do coelho de Alice é o habitat desses malucos.
Para viver em um mundo da fantasia é preciso aceitar algumas regras. Uma delas diz respeito às teorias da conspiração muito em voga nas redes. Outra é ser um crédulo de UTI. Há números: 64% dos brasileiros acreditam em qualquer coisa que leem, veem ou ouvem, sem checar a notícia ou procurar fonte confiável.
O que João Pereira Coutinho tem a ver com isso? É ele quem nos abastece dessas informações. Escreve ele em sua coluna mais recente, na Folha: “A palavra fundamental é ‘prova’. Uma fantasia é improvável (no sentido empírico da palavra) e muitas são contrárias a provas irrefutáveis. Que fazer?”
Coutinho então envia a um amigo um artigo provando que a água engarrafada que ele diz ser contaminada não o é de fato. O amigo responde: “Sei quem tu és. Os donos do mundo sempre tiveram os seus soldados”. Que fazer?