Kazuo Okubo, 59 anos, quer fotografar a genitália feminina. O projeto irá resultar em uma mostra fotográfica em um dos centros culturais da cidade de Brasília, onde ele vive. Há um site disponível para informações (www.kazuookubo.com.br), o patrocínio é do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal e a curadoria é de Rosely Nagawa, que cuidou de exposições como a Retrospectiva Cândido Portinari, no Masp, a de Cristiano Mascaro, em Buenos Aires e a de Luiz Gonzales Palma, na Funarte, no Rio de Janeiro. Foi também responsável por mostras de fotografia na França (Nord Pas de Calais), além de ocupar o cargo de curadora da FNAC Brasil desde 2004.
Tudo isso e não parece suficiente. Okubo deu à exposição nome e cartaz: “Inventário – Tire Essa Vergonha e Vamos Conversar” em foto que exibe uma modelo em calcinhas.
Ele que fotografar as partes íntimas das mulheres e se compromete a esconder seus rostos. Em sua concepção, o sexo feminino fala por si e é dessemelhante em sua semelhança, como de resto qualquer parte do corpo (não, não é tudo igual). Okubo se propõe até a avançar um pouco. Também quer fotografar as “operadas” – homens que se transformaram em mulheres cirurgicamente. Tudo isso e ainda não parece suficiente.

CONVOCAÇÃO NO FACEBOOK
A fim de encontrar voluntárias, o fotógrafo decidiu fazer uma convocatória nas redes sociais, em especial no facebook, deixando claro quais eram seus objetivos. Pois as feministas não gostaram. Há um longo e caudaloso manifesto circulando na internet contendo os queixumes de grupos de gênero. Por acaso identificam-se com a esquerda, mas não diferem em nada (nadinha) de integrantes de movimentos conservadores que foram dar à porta do Museu de Arte Moderna (MAM), em 2017, revoltados porque uma criança teria sido motivada (pela mãe) a tocar em um artista nu estirado no chão. Aqui nem ali há risco de incorrer em crime de ato obsceno. Trata-se de museu, não de local público. No caso da exposição de fotos Okubo, ela será ofertada a quem quiser entrar (eventualmente, a quem quiser pagar). A discussão poderia parar por aí, mas há quem queira mais.
Diz o advogado e professor de direito, Arthur Virmond de Lacerda: “a sexualidade e o corpo humano são integrantes da natureza humana e, como tal, perfeitamente naturais. Sujeitam-se aos condicionamentos culturais que, nas sociedades ocidentais e devido à influência cristã, os recusa. Daí a relação (outrora muito acentuada) de nudez e sexualidade com indecorosidade ou imoralidade, associação que ainda rege o entendimento de algumas pessoas do que seja moral e imoral”.
Ora, o que provoca então reação tão desproporcional? Histeria. É o que afirma o desembargador Antônio Carlos Malheiros do Tribunal de Justiça de São Paulo. “Chamar qualquer episódio mais insinuante de ‘pedofilia’ ou de ‘importunação sexual’ virou uma histeria coletiva”.
ASPECTO JURÍDICO
De fato, o entendimento de juristas sobre o o ato obsceno previsto no artigo 233 do código penal é o de que ele incorre em erro por violar o princípio da legalidade (“Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, artigo 5º, inciso 39 da constituição). Ou seja, há sanção prevista, mas a prescrição é nebulosa, sujeita a diferentes interpretações. De qualquer forma, se há limites a impor, talvez um aviso à porta. Para Lacerda, nem este seria necessário.
“Moralidade supõe velamento do corpo, gimnofobia, ou recusa da nudez natural. Pudor supõe malícia, malícia supõe censura. A sexualidade não deve ser tabu, nada deve ser objeto de tabu, em termos de conhecimento, nem a arte, de censura: tudo deve ser cognoscível, o que inclui as funções do corpo e a sexualidade; tudo deve poder ser objeto de arte. Quem desgostar do que vir, é livre de manifestar o seu desgosto; quem não se interessar por ver, é livre de não o fazer; quem desejar produzir fotografias que foquem artisticamente o corpo, nu ou desnudo, deve ser livre de empreendê-lo: fotografia, pintura, escultura, é arte e como tal deve ser entendida.”
FLORES DE APELO ERÓTICO. UMA FACETA DO ARTISTA
Em setembro de 2018, o Museu de Serralves, na cidade do Porto, em Portugal, foi palco de protestos provocados por uma exposição do fotógrafo norte-americano Robert Mapplethorpe (1946-1989) – veja abaixo. Os manifestantes empunhavam faixas e cartazes em reação às fotos expostas em ala exclusiva do museu: uma mistura de genitália masculina com sadomasoquismo. O pudor ou o ato obsceno, supostamente, atingiu também a ala dedicada às fotografias de flores, registradas com sensível beleza e apelo erótico por Mapplethorpe. Era uma faceta do artista. Até onde se sabe, a manifestação não gerou reação de organização de homens indignada com a fulanização do corpo masculino. Ainda assim, provocou o pedido de demissão do diretor do museu, João Ribas, depois que ele foi obrigado a limitar a exposição a maiores de 18 anos. A arte não deve mesmo submeter-se à classificação etária.




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