Édifícil traduzir o discurso de Jair Bolsonaro quando afirma que irá “libertar o povo do socialismo e do politicamente correto”. Se quando trata de socialismo refere-se ao governo do PT sob Lula e Dilma, cabe informá-lo que a “era vermelha” por ele repugnada fez dos 10% mais ricos no Brasil ainda mais ricos (eles detinham 54% da renda nacional; agora detém 55%). Quanto aos pobres, justiça seja feita : também aumentaram sua participação no PIB. De minguados 11% para magérrimos 12%. Os dados são de economistas ligados ao autor de “O Capital no Século XXI” , Thomas Piketty, um cidadão, segundo a esquerda, acima de qualquer suspeita.
Deixemos de lado, porém, o socialismo, fadado ao fracasso na teoria e na prática, e falemos do politicamente correto, essa polícia do pensamento que já quis recontar “A Cabana do Pai Tomás” e o “Sítio do Picapau Amarelo”. Ao declarar-lhe guerra, Bolsonaro, esqueceu-se de combinar com os russos. Com a primeira-dama certamente.
Na cerimônia de posse, Michelle Bolsonaro tratou de quebrar o silêncio protocolar e discursou em Libras (a linguagem de sinais), o que pareceu simbólico e, sem dúvida, politicamente correto. Um dia depois, o novo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, atacou a globalização, disse que é preciso menos “The New York Times” e mais José de Alencar, citou Raul Seixas e Renato Russo e, por fim, rezou a “Ave Maria” em tupi. Tudo tão politicamente correto que um militante de esquerda dos mais possessos, aqueles que costumam carregar sacolas de supermercado e ostentar um fio de saliva no canto da boca, não faria reparo algum ao conteúdo dito.

Erro imperdoável e merecedor de reparo só mesmo o de repórter da Folha de S. Paulo (link abaixo), que ao citar a composição “Monte Castelo” de Renato Russo, cantarolada por Araújo durante sua posse, afirmou que a letra teria sido extraída do capítulo 13 da Epístola de Paulo aos Coríntios. Não é verdade. Ou melhor, é verdade em parte. Mínima parte. Apenas uma ou duas frases são calcadas ou inspiradas na passagem bíblica. Os demais trechos são versos da “Lírica” de Camões.
Por que erro imperdoável? Por que a consulta não demandaria trabalho. Bastaria digitar duas ou três palavras em um buscador da internet (Google) e pronto. Fossem tempos de arquivos, de pastas de recortes, de enciclopédias e de livros de referência, passaria por tolerável. Perdoável jamais.
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Por fim, merece nota o fato de um dos 22 ministros de Bolsonaro mencionar o que parecia impensável até há pouco: um pacto. Ele pretende que o governo fale com a oposição e espera que a oposição fale com o governo. Não é coisa que se defina como politicamente correta. Mas é uma correção política.
LINK DA FOLHA: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/01/nao-tenho-medo-de-ser-brasileiro-diz-chanceler-ao-assumir-itamaraty.shtml